sábado, 27 de junho de 2009

VOVÓ @. COM



Raquel de Queiroz me encanta sempre que leio “A arte de ser avó”, que mais parece uma declaração de amor do que uma crônica. Além do manejo perfeito das palavras, não há como desvincular o texto da serena figura da escritora, com aquele jeito de avó. Fofinha, de óculos, sorriso complacente, meiguice e doce cumplicidade. Vovó como mandava o figurino. Como foi a minha e a de tantas vovós de hoje.
Pois é, como tudo mudou com a aceleração da modernidade, as avós mudaram também. Não no mais importante, creio eu, que é no quesito amor maternal elevado à potência dez, mas na forma como esta relação tão especial acontece entre netinhos e vovós nos tempos de @.com.
Mudaram as avós ou mudaram os netos? Inclino-me a afirmar que a mudança maior atingiu as avós. Simples, as mulheres mudaram e isso independe do grau que ocupam na hierarquia familiar. Dos vinte aos oitenta os cosméticos, a academia, o vestuário muda muito pouco. Os hábitos também. Não causaria nenhuma surpresa encontrar a avó curtindo a mesma balada que a neta, visitando a mesmas lojas de jeans, fazendo o maior sucesso nas rodinhas de conversa. Afora as experiências e histórias que compartilham com os jovens sem nenhum constrangimento. Tem ainda a confiança inabalável e o prestígio que uma avó possui com seus netos. Mãe é para educar, reprimir , colocar limites, dizer não, impedir. Vó não, esta é para defender, dar cobertura às peraltices que mãe não tolera, ouvir segredinhos (e guardá-los), alcançar aquele dinheirinho extra, comprar e dar de presente um tênis de marca que o neto nem precisava, sercúmplice do namorinho escondido e até permitir que os pombinhos se encontrem na sua casa, sem que os pais desconfiem nem em sonho. E avós modernas têm Orkut, sabem usar o computador, fumam, namoram e dirigem automóvel. São tão arteiras como os netos. Gostam de música, de filmes de ficção científica e adoram comer porcarias, de preferência no schoping. Não que não encarem a cozinha para satisfazer a gula dos marotos. Muitos bolos, chocolates e brigadeiros no melhor estilo abre-embalagens de semi- prontos, melhora a classificação da vovó no ranking e no prestígio familiar. E o que é melhor em tudo isso é que essa vó moderna é fofa também, mesmo não tendo nada de matrona ela dá colo gostoso, abriga na sua cama, faz chá de camomila e curte a dor-de-cotovelo, sempre que essa desgraça acontece com seus netos. Muitos dizem “minha vó é uma fofa”, querendo dizer querida, amorosa, parceira, macia, gostosa de conviver.
Vó é tão especial, que mesmo sendo modernas, joviais e cibernéticas, não se importam nem um pouco em dividir o espaço em sua cômoda, abarrotada de frascos de perfumes e de batons vermelhos, com porta-retratos ostentando aquelas carinhas, que só ela sabe, são o maior e mais descarado amor que uma mulher é capaz de sentir.


Maria Alice Guimarães

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Pediram-me um poema
Eu não escrevo poemas
Não sou poetisa
Só sei que a poesia existe
E se arranja sozinha
Nas linhas e nos desalinhos da vida
Contínua ou descontínua
Não importa
Ela só quer ser percebida
Vive em mim, em ti e por si só se basta
Não pede versos, nem rimas
Só nos pede guarida

Maria alice Guimarães
COLCHA DE RETALHOS


Vivemos em tempos de edredons e cobertores sintéticos, mas há quem conheça a artesanal e antiga “colcha de retalhos”.
Para quem não sabe, a colcha de retalhos era, pacientemente elaborada, a partir do aproveitamento de pequenas sobras de tecidos, num tempo em que as roupas eram feitas quase que exclusivamente por habilidosas costureiras.
O tempo andava mais devagar e as mulheres ainda não trabalhavam fora de casa. Ocupavam-se com a criação dos filhos, com afazeres domésticos e nas horas vagas se esmeravam em produzir belas e trabalhosas artes manuais, entre elas a colcha de retalhos que ainda sobrevive em velhos baús de umas poucas e saudosas vovós. Uma espécie de museu particular, no mesmo lugar onde, talvez, guardem lembranças de sonhos perdidos no tempo.
A vida da gente se assemelha muito a uma colcha de retalhos. É feita de pequenos pedaços presos um ao outro, cada um com sua cor, mais ou menos macios, alegres ou tristes. O resultado depende do acabamento que damos, de como aproveitamos cada pedacinho das sobras que a vida nos dá. Cada um contém uma história, com começo, meio e fim. Alegrias, tristezas, realizações e fracassos, horas de pouco, momentos de muito. São os nossos pedaços, a riqueza pessoal de cada um, a história que se construiu. E há os retalhos que se jogou fora por desperdício ou por não se saber que um dia nos fariam falta.
Depois de um tempo pode-se visualizar a colcha de retalhos que já se conseguiu montar. Umas são coloridas, com muito vermelho, efeito de muitas paixões ou quem sabe escuras, com muitas partes onde predominaram retalhos de cor preta, demarcando os momentos inevitáveis de tristeza e dor. Mas há os retalhos brancos, talvez sobras românticas do vestido de noiva, o azul do pequeno casaquinho de bebê do nosso primeiro filho, quem sabe o retalhinho cor- de- rosa da blusinha que nossa filha vestiu no aniversário de um ano. Em um canto está o amarelo-ouro lembrando o pé de bergamotas maduras, caindo às pencas e ao alcance de nossas mãos gulosas, retalhos de felicidade infantil.
Assim, dentro de cada um existe uma colcha de retalhos. Cada vez que vem à lembrança uma história vivida é um daqueles pedacinhos que aparece mais que os outros, que se impõe e nos faz falar dele às vezes com tristeza, mas sempre com saudade.
Pois vou tirar do baú minha colcha de retalhos. Quem quiser pode olhar, mas por favor , não toquem nela nem me peçam de presente e nem de herança. Não posso dá-la a ninguém nem me desfazer dela. Vai me fazer falta quando a velhice chegar. Vai me abrigar e aquecer meus últimos invernos, afinal não é todo mundo que pode olhar e dizer “minha colcha de retalhos foi tecida com minhas próprias mãos”. Deu muito trabalho , muitos pedaços foram deixados pelo chão, mas alguns usei para secar as lágrimas que não pude evitar que caíssem enquanto eu a tecia, mas agora , depois de pronta me orgulho dela. É linda! É minha!


Maria Alice Gumarães

quinta-feira, 25 de junho de 2009

GODIVA


Não é de Lady que falo ; é de Godiva mesmo, uma lady que mora em uma cidade bem longe da minha, mas por quem tenho um carinho canino.
Hoje soube que Godiva se feriu, coisa pouca, mas com certeza dolorosa. Deixou-se quedar , silenciosa e triste , não querendo fazer alarde que sofria. Apenas acomodou sua dor entre as almofadas do sofá da sala e , com o olhar meigo de sempre , fez de conta que curtia o aconchego macio e quente, enquanto no canto esquerdo de seus olhos quase azuis, escorria uma lágrima que ia morrer no canto da boca.
Quisera ter o dom de adivinhar o pensamento dela, nesta hora. Poderia chamar a atenção de sua dona rosnando , latindo ou andando pela casa, mas não o fez. Optou por ser discreta, ficar calada esperando o alívio chegar. Afinal, seu compromisso maior sempre foi o de cuidar para que nada atrapalhasse o bom andamento da casa. Deveria estar se sentindo impotente por não poder cumprir com suas tarefas de vigia e companheira, mas precisava de um tempo para se recuperar e, mesmo causando estranheza, permaneceu no seu inusitado repouso. Uma lady cochilando em pleno dia, sonhando , quem sabe com aquele labrador lindo que vem sempre namorá-la no portão.
Era tão fiel a sua dona que escondeu sua patinha onde faltava uma unha , arrancada não se sabe como. Um acidente, talvez, uma topada no jardim da casa. Pedras é que não faltam para tropeçar , mesmo na vida de uma bela fêmea canina, quem sabe correndo ao encontro do seu amado, latindo de amor por por ela.
Cuidada e com o carinho preocupado de sua dona, Godiva passa bem. Já não dói mais tanto o ferimento e logo terá uma unha novinha em folha . Unhas crescem novamente. Resta saber se a lágrima que rolou de seu olho quase azul foi dor por ter se machucado ou se , como toda fêmea da natureza, também sofre por amor.
Mas, infelizmente , Godiva não sabe falar a nossa língua e guardará sem que se saiba ao certo, o motivo maior que a fez tão triste.


Maria Alice Guimarães

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Só nos resta cantar


“No Brasil, de uns anos para cá, o que diz respeito à educação, à moral e à ética, entre outros valores necessários ao bom andamento da convivência social foram por água-abaixo.
Isto acontece em todos os segmentos da sociedade dita organizada. Encabeçando a lista de horrores está o “entretenimento”. As emissoras de rádio e televisão, que entram sem nenhum controle em todos os lares brasileiros passam informação barata e altamente descartável sem o menor nível intelectual , pelo contrário, incentivam, não apenas o popularesco, mas também e sobretudo, privilegiam os comportamentos cada vez mais perniciosos para a população em geral, carente de valores. Exemplo disto são as rádios, antes ouvidas com gosto por todos (eram tantas e de tão boa qualidade que ficava difícil escolher qual ouvir) hoje não possuem a mesma categoria, nem musical nem publicitária. O velho e gostoso rádio virou enfeite na estante da sala. Cadê aquelas músicas altamente selecionadas, aqueles locutores por quem a gente se apaixonava só de ouvir a voz, nossos galãs românticos?
Tudo isso trocado por custo barato, por audiência fácil. Não quero parecer elitista, mas é preciso que os gerenciadores da mídia radiofônica repensem essa questão e dê um “up” neste velho e maravilhoso meio de comunicação.
Que tal ressuscitar nossos galãs? Público de bom-gosto ainda tem, música também ou será que esta faixa de pessoas não merece consideração?
A grande maioria sustenta-se na má qualidade, nas notícias sangrentas, nos papos sem-graça, em músicas de conteúdo erótico-pornográfico, trazendo em seu bojo apologia às drogas, às traições conjugais, colocando as mulheres de forma degradante, como se não tivessem nascido de uma. Elogios aos bandidos que são descaradamente transformados em “mocinhos”, ricos, lindos e audazes.
Infelizmente temos que conviver com estes absurdos todos os dias. E a sociedade despencando, as crianças crescendo sem motivação emocional positiva, os jovens achando que matar é a coisa mais normal do mundo, roubar nem se fala, que sexo aos doze anos é normal, que sacanagem é tudo.
Total menosprezo. Pobres jovens usados como bucha de canhão na guerra pela audiência de emissoras de rádio e televisão, pelas gravadoras inescrupulosas entre outras mau-caratices do gênero. Música é algo mágico , que fala das belezas e da existência humana de maneira digna e não um amontoado de palavras que instigam violência , crimes ou festas regadas a bebida e drogas. Festa e namoro são coisas saudáveis . O que não se pode concordar é que seja veiculado na mídia o sexo banal, explícito, o comportamento promíscuo que todo mundo sabe que leva a degradação moral de um povo.
Modernidade sim, mas limites são necessários. Temos que admitir; o Brasil está na contramão e caminha na estrada errada na parte musical também.
Mas o que mais vende e mais toca nas rádios de hoje é lixo puro e o pior é que a maioria aplaude. Fazer o quê? Um país se faz com homens e livros dizia Monteiro Lobato.
Mas será que esta gente de poucos escrúpulos e nenhuma cultura sabe quem foi esse cara aí?

sábado, 20 de junho de 2009

PODEROSAS

Quem gosta de liberdade tem que aprender a conviver com a solitude.
Ela pode ser uma boa companheira. Basta experimentar. Vale a pena.
Diferente da solidão que carrega o estigma de ser triste, de ter cheiro de abandono, a solitude é amena e é uma opção pessoal, coisa de mulher moderna. De mulher poderosa, como se diz por aí.
De todas as idades, mas principalmente as maduras, que já aprenderam as duras lições da vida, essas moças bonitas, charmosas e atraentes dirigem seu próprio carro comprado com o esforço de seu trabalho, viajam sozinhas, vão da cozinha ao cinema sem medo de ser feliz. Tudo isto ostentando um belo sorriso emoldurado por uma boca pintada com batom vermelho. Vestem roupas da moda, primam pela qualidade, abanam cabelos sedosos ao vento deixando atrás de si um rastro de perfume francês. Pagam suas despesas com cartões de crédito que exibem nas mesas dos bares e restaurantes onde almoçaram, jantaram ou apenas tomaram uma cervejinha gelada. Sem nenhum constrangimento por exporem ao mundo sua solitude.
Para essas sacerdotisas contemporâneas seu templo é o mundo e nele não há clausuras. Não lhes falta amigos, familiares e namorados, mas preferem dividir a alegria de viver consigo próprias e com ninguém mais, como uma espécie de desagravo às suas ancestrais amordaçadas.
Nada de egoísmo, apenas usufruir daquela sensação gostosa de”sentir-se donas de seu próprio nariz”. Já foi-se o tempo do “eu só vou se você for”. E olha que não faz tanto tempo assim que mulher nem era cidadã, não votava, não tinha CPF nem carteira de motorista. Fumar, então, era coisa de mulher-dama (como eram chamadas as prostitutas).
Beber, só refrigerante, usar calças compridas um escândalo.
Tudo coisa do passado, graças a Deus. Hoje já se pode dizer que as mulheres são livres, mesmo que ainda haja quem se preste a discordar. Concordar ou discordar é de foro íntimo, individual.
O que importa é que a roda da vida girou e faz-se necessário viver e fazer-se feliz. Correr riscos faz parte do processo. Uma geração inteira de mulheres corajosas arriscou sua reputação para que se chegasse até aqui imunes aos falatórios maldosos de poucos anos atrás.
Mulher é fêmea da natureza; livre para voar e buscar o que achar melhor para o seu momento, fazer suas escolhas, trilhar sua estrada.
É preferível colidir com um muro de concreto do que não viver.




Maria Alice
A insustentável leveza do Amor


O que mais se vê e ouve por aí é falar de amor.
Nada de novo. Sempre foi assim desde os bons tempos que só tínhamos o velho e bom rádio, música romântica invadindo corações carentes e solitários. Hoje, com a televisão mostrando amores impossíveis, paixões avassaladoras que sempre acabam dando certo no último capítulo, tudo leva ao desejo de viver essas emoções a qualquer preço. Tem ainda a Internet, que trouxe para a solidão amorosa de muitos o amor virtual. Novas tecnologias, novas possibilidades.
E o amor está cada vez mais no ar, na rede, nas ondas elétricas, cibernéticas etc. e tal. Difícil mesmo é encontrá-lo no coração das pessoas, mas isso é outra história, assunto para depois.
Hoje, depois de se ter banalizado quase tudo, inclusive a vida, o mais nobre dos sentimentos, imortal segundo muitos, vem sofrendo desse mal, coitado dele.
Confundido com paixão, alteração dos sentidos, instinto de reprodução, desejo sexual o pobre amor recebe de presente adjetivos, advérbios, vira substantivo composto para se tornar um grande amor, um amor sem fim, eterno, infinito e outros qualificativos que o justifiquem e amparem. Amor tem que rimar com dor, com flor, tem de ser doído, sofrido e, de preferência unilateral. Amor correspondido , raro, diga-se de passagem, não tem a menor graça. Amor gostoso tem que fazer sofrer, tirar o sono, e lá pelas tantas levar-se um belo pontapé no traseiro. Aí vira dor, dissabor, decepção e danos cardíacos.
Sem chance de durar para sempre esses sentimentos ditos amorosos, sucumbem na maioria das vezes. Batem de frente com outro tipo de amor, o amor - próprio, esse sim danado de se conter. Demora a se manifestar, mas quando aparece na jogada provoca reações até mesmo perigosas no amante desprezado. É o tipo mais perigoso de amor, pois se liga diretamente ao instinto de sobrevivência. Impulsionados por ele muitos sequestram, roubam e matam. Poucos conseguem sobreviver à solidão do abandono, a falta daquele amasso poderoso, daquele beijo que só o ser amado sabe dar.
E agora José?
Como viver sem os sininhos badalando nos ouvidos, a dorzinha de barriga, o friozinho no estômago. Como ouvir o Zezé Di Camargo e Luciano sem chorar? O mundo, antes primaveril e ensolarado vira em um inverno gelado e sem fim. A música mais ouvida passa a ser “Meu mundo caiu”. O ego despencou ladeira abaixo e a dor sai pelo ladrão. Um venenoso coquetel de emoções se apodera deste ser tão infeliz.
Ainda bem que dor-de-cotovelo tem cura. Um dia vem o socorro , não se sabe de onde. Deve ser do tal de amor-próprio, alerta o tempo todo, mas meio sem ação por conta da irracionalidade a que os sentimentos estavam sujeitos. E vêm os primeiros sinais de cura. Não era amor! Aleluia! Tratava-se de um sentimento forte, humano, irracional e estimulante, gostoso de sentir, mas que não se sustenta em si mesmo.O amor verdadeiro tem uma característica básica que é ser generoso, solidário e livre de dores e sofrimentos inúteis. É alegria, bem-querer e se sustenta em si mesmo.
Afora isso é pura confusão, insustentável.

Maria Alice